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    Crónica de São Manços – Alergia ao quadrado



    Mais um domingo de Páscoa em São Manços, dia que teimo em manter no meu cada vez mais fechado e restrito roteiro. Por reconhecer valor à data, afición à comunidade local e empenho em quem organiza, priorizando quase sempre o Toiro. São anos consecutivos a escrever sobre este festejo, alguma vezes com parte direta na decisão de troféus e prémios, e por isso, com o conhecimento de causa que me reconheço. Como a imprensa, a afición e curiosos, também eu terei de falar sobre a questão do pó, da imensa poeira que se sentiu toda a tarde e que me impossibilitou por vezes de estar atento a determinados detalhes, e talvez por isso mesmo tenha sido dos poucos a não ver nenhum toiro bravo. 

    A organização desculpou-se, o Diretor desculpou-se e, segundo já li pela net, uma avaria 1H !!! antes do espectáculo impossibilitou que se arranjasse uma solução. Não acredito que em São Manços não haja depósitos, tanques, que em Évora ou Vidigueira não haja Bombeiros disponíveis… Se tentaram tudo, sou o primeiro a aceitar, mas penso que se podia ter sempre um redobrado esforço nesta questão, pois é um problema todos os anos, sempre se diz o mesmo em relação ao pó e este então, pelo menos para mim, foi o pior, que saí da praça com a minha alergia a bombar, a roupa castanha e com pouca vontade de voltar para o ano. Dirão, como também já li pela net, e que é costume (por isso vão acabar com ela), que a imprensa é que está mal… Nós é que acabamos com a Festa! Ouvi um queixume geral, mas nem todos assinam uma crónica ou uma reportagem onde se averiguem e se falem os factos. Só há um caminho aqui, todos erramos e todos temos de aceitar que algum dia não estivemos ou não fizemos tudo o que era possível. Mas neste mundo é muito difícil que impere essa justiça e essa revisão pessoal. Aqui é mais “cala-te, que ao dizeres que isso correu mal estás a meter em cheque a festa, que o público que paga (e bem) se queixe do pó e das condições, azar, isto é uma tourada, tem de ter sol, calor e moscas… e pó.” Alongo-me demais neste parágrafo apenas por ter visto em redes sociais, sim aquelas que já falei tanto por aqui e que são balõezinhos de ego que rebentam com muita facilidade, comentários que me merecem repúdio por serem completamente anti-democráticos e não respeitadores de uma opinião plausível, factual e tão justa como qualquer outra.

    O cartel de Maestros, que valeu o mérito à empresa por encher mais uma vez a castiça e bonita José Jacinto Branco (de ressalvar o excelente e bonito pormenor do desenho dos ferros a concurso no centro da arena), começou com uma longa mas justa homenagem à curtida terna. João Moura (45 anos de Alternativa), António Ribeiro Telles (40 anos de Alternativa) e Luís Rouxinol (44 anos da estreia), tal como os Amadores de Évora (60 anos) e os Amadores de São Manços, receberam de várias entidades distinções e lembranças que guardarão com carinho.

    O mais aliciante da tarde, e por mim falo, residia no Concurso de Ganadarias. Abriu praça o de São Martinho, que me pareceu ter mais peso do que o apresentado (520kg), berrendo em negro, ou malhado, aleonado e mais forte por diante, bem feito e bonito de cara, mais justo nos quartos. Alto, comprido e com uma conformação óssea bastante generosa. Não teve muito interesse em disputar com o cavalo quem levaria a melhor, mas também não senti João Moura com vontade de o convidar a lutar. Sem desafio e sem lide, a ferragem que deixou não teve de todo um momento salutar. 

    Na senda de uma primeira parte pouco inspirada e de estranhos acontecimentos, limpei o pó dos meus óculos de sol umas quantas vezes para confirmar o que se estava a passar na arena a meio da lide do segundo. António Ribeiro Telles, o mais virtuoso dos toureiros clássicos, a tirar o toiro da sorte mais que uma vez por tentar quebrar-lhe a investida com batida ao pitón contrário. Desinspirado seguiu uma lide sem história perante o Teixeira, mais baixo e curto que o primeiro, mas rematado e morfologicamente muito agradável, de cara curta e retilínea, negro com 560kg saiu e logo despertou apupos do público por uma notória mas não impeditiva inferiorização nos posteriores. Todavia, o Teixeira teve codicia para se locomover com mais transmissão e mais chispa que a maioria da corrida. Sem lesão e com o António Telles da segunda parte, teria sido certamente diferente.

    O Toiro do Eng. Luís Rocha, ganadaria distante dos grandes palcos nos últimos anos, tinha cara, também ele aparatoso por diante, negro com 540kg e presença para disputar o concurso. Foi um manso geniudo, não outorgava uma investida de graça e não encontrou comunhão com Luís Rouxinol, que a par dos restantes maestros, sacou o melhor de si na segunda metade do festejo.

    A abrir a segunda parte, veio da Pina uma estampa de Toiro, com 590kg anunciados, muito em tipo da casa, rematado e com uma cara linda e séria mas muito harmonioso. Revelou disponibilidade e ritmo nas suas acometidas, que não foram muitas, mas ausente de casta e chispa para andar como um bravo deve andar, pelo menos no conceito que a mim me emociona e me deixa preso a ele. João Moura, que abriu disposto com uma sorte de gaiola, só manteve a disposição em outra preparação de um curto, mais preocupado em cravar e atacar o toiro de praça a praça, com a jurisdição a dar-se sempre em terrenos com mais avanço da montada do que do oponente. Cravou dois curtos de irrepreensível qualidade, elegante o cavalo a sair com o centro da sorte dominada e o ferro a cair redondo e com verdade, pena que não se tenham rematado as sortes e que do Passanha vencedor dos dois prémios (Bravura e Apresentação), não se tenha visto onde podia chegar.

    O de Guiomar Cortes Moura, com 600kg, pareceu o anticristo. Mãos muito curtas, completamente acochinado, sem cara e o que havia totalmente aberta, barbela quase até ao chão… em suma, o peso não lhe dava a seriedade, nem a beleza, nem nada do que deve ser um toiro bravo. Conseguiu mover o pesado esqueleto e andar o suficiente para António Telles deixar a sua real imagem. Mais cuidado a lidar, imprimiu a raça do seu toureio frontal à falta de chama do toiro e fez com que o mesmo parecesse mais disponível do que estava. A simbiose não foi completa mas os três últimos curtos tiveram a chancela da casa. 

    Luís Rouxinol culminou as três horas de corrida perante um manso encastado de Condessa de Sobral, proveniente da Herdade dos Montezes. Anunciado com 500kg, negro e altivo de cara, tinha de estar sempre ligado ao toureiro e montada ou desinteressava muito rápido e só apertava quando queria. Com o Douro, cavalo que reconheço essas qualidades, a ligação foi suficiente para conseguir uma série de curtos em crescendo, nem sempre exímia no embroque, mas com epílogo num par e palmo de grande nota, aclamado pelo público. 

    Dois Grupos vizinhos, e amigos, dividiam a árdua tarefa de pegar o Concurso. A maioria das reses não apresentou sinais de comprometimento para os grupos, e quando aconteceu, a boa performance dos mesmos suplantou as dificuldades.

    A cumprir 60 anos de história, abriu praça um dos mais consagrados forcados do grupo da cidade museu. Dinis Caeiro, valente como de costume, aguentou os derrotes que conseguiu do desconcertante São Martinho, faltando coesão ao grupo na primeira tentativa. Na segunda, rijo e sem truques, pegou com a capacidade que revela e as ajudas foram mais prontas e consistentes. Miguel Direito, forcado jovem mas com créditos conquistados e afirmados, esteve correto e sem veleidades perante o sério exemplar Luís Rocha, que entrou rijo mas encontrou cara e grupo decididos em fechar no primeiro encontro. João Cristóvão, diante do boi com 600kg de Guiomar C. Moura, teve o seu desempenho destacado pela tardia capacidade em ajudar do Grupo, que depois se redimiu já em tábuas e conseguiu ajudar um toiro que tinha poder.

    Honrando a jaqueta da terra, os Amadores de São Manços lograram uma tarde consistente e positiva, com três desempenhos seguros e de qualidade à primeira tentativa. Diogo Coutinho foi o primeiro a perfilar-se diante do diminuído exemplar de Veiga Teixeira, que saiu com ímpeto e possibilitou ao forcado fechar-se bem e consumar seguro. Manuel Trindade, com o melhor cite da tarde, imperial e a captar atenção, recuou o suficiente para se aguentar na cara do Passanha e realizar uma boa pega, correspondida pelo grupo. Martim Moreno deu a estabilidade necessária para a corrida acabar com sucesso para os da casa, fechando-se muito bem na cara do Condessa e conseguindo um bom desempenho à primeira tentativa.

    Como referido neste meu escrito, a ganadaria Passanha venceu os dois prémios em disputa, sendo o júri constituído pelos próprios ganaderos.

    A Banda, em excelente nível, foi de Nossa Senhora de Machede, e a direção de Corrida de Agostinho Borges.




    Pedro Guerreiro