Campo Pequeno: “Simplicidade, Entrega e Respeito: a Casaca de Veludo Azul”
Quando há uma
semana tive o privilégio de, pela segunda vez este ano, me sentar à mesa com
alguns elementos da família Ribeiro Telles, e na sequência de um
jantar-tertúlia organizado pelo Grupo Tauromáquico ‘Sector 1’, um dos momentos
mais marcantes e até emocionante nessa iniciativa, partiu de um testemunho por
parte de Manuel Telles Bastos relativamente à admiração que tem pelo tio
António mas também ao falar da casaca de veludo azul bordada a prata, que tem
sido usada por todos os membros da família nas respectivas alternativas, desde
o seu avô, Mestre David Ribeiro Telles: “Aquela casaca é o avô! Representa
tudo o que o avô era!”, disse o toureiro, ao qual acrescentou, ‘simplicidade,
entrega, respeito’.
Pois que ontem
na Praça de Toiros do Campo Pequeno houve mais uma alternativa da Dinastia Ribeiro
Telles e ali estavam na arena os seis toureiros da família no activo (os
cavaleiros António pai e filho, Manuel, João e Tristão, e António Telles Bastos,
o toureiro de prata), mas também Mestre David, de alguma forma, representado na
dita casaca de veludo azul.
Foi inclusive ao
saudoso Mestre que rompeu uma das maiores ovações da noite num esgotadíssimo Campo
Pequeno quando, durante as cortesias, se procedeu a essa homenagem em memória
do mentor desta grande família de toureiros.
Houve arrojo da empresa em montar este cartel, na forma como o promoveu, pelo que os ingredientes estavam lançados e, portanto, previa-se uma grande noite de toiros, uma grande noite em família, até porque estávamos (finalmente) em CASA!
Sim, porque a Praça de
Toiros do Campo Pequeno pode agora ter nome de cerveja (o que de alguma forma
condiz com o que muitos aficionados lá vão fazer…), pode até só ter direito a quatro
corridas de toiros (porque dizem os que agora lá mandam: ‘não há afición em
Lisboa’ e então não se justificam mais…), mas não deixa de ser isso, uma Praça
de Toiros e a ‘casa principal’ de todos os que gostamos de toiros em Portugal. Pelo
que ter iniciado a sua curtinha temporada de quatro espectáculos deste ano, com
uma casa esgotada na véspera, não só é um feito, como é uma chapada de luva
branca aos que diariamente atentam contra a Tauromaquia, e neste caso concreto,
a que acontece em Lisboa. E não me refiro só aos antis…
Artisticamente a noite fica marcada pelo enorme ambiente vivido, tanto nas bancadas como na arena, pelo que tudo fazia adivinhar uma noite de êxito, em que o público estava, indiscutivelmente, com os artistas, para o bem e para o mal...
E pese embora, creio, todos
terem tentado dar o melhor de si, há a ressalvar a sempre maestria de António Ribeiro
Telles. Isto do toureio, digo do meu parco entendimento, vai muito além de
se cravar ferros, e tem muito pouco de se enganar o toiro com a mentira, pelo
que quando temos a oportunidade de ver um cavaleiro que coaduna o seu toureio às características do oponente, que o lida, que escolhe terrenos, que carrega a sorte e vai à cara do
toiro, sente-se a diferença. Mesmo que no todo a lide não tenha sido redonda, é
impagável tudo o resto.
O curro de toiros
da ganadaria David Ribeiro Telles saíu pesado, bem apresentado no geral (destoando os lidados em terceiro e quarto lugar), com diferentes capas e feitios. Teve grandes condições, com arrancadas
prontas e a transmitir, o lidado em quinto lugar, e felizmente teve direito
a sair à arena já que...estava guardado como sobrero. O primeiro foi colaborador,
reservado o segundo, mais complicadote o terceiro que raspou muito, de pouca
mobilidade o quarto e um sexto cómodo.
No que toca às
actuações equestres, e conforme já referido, prevaleceu toda a noite o carinho do público que ‘tapou’ o que de menos
bom foi acontecendo em cada lide, e resumindo: todos o tiveram, entre
passagens em falso, ferros falhados, sortes atravessadas, pescadas e passadas, toques nas montadas…
O novo cavaleiro
de alternativa, António Telles filho, doutorou-se com uma lide de
entrega e disposição; já o pai teve uma actuação de mérito pela forma
como contornou as dificuldades impostas pelo oponente, parecendo que era ele
que estava agora a iniciar (e não prestes a cumprir 40 anos de alternativa) com
uma disposição tremenda a ir acima do toiro; Manuel Telles Bastos foi no seu
toureio o mais representante da adjectivação que emprega ao avô: simples, com
entrega e respeitando toiro e público. Lidou uma rês mais reservada,
desinteressada, à qual soube cumprir com solvência; João Ribeiro Telles
impactou com os quiebros – levantou bancadas com o 4º curto -, perante um toiro
fechado em tábuas e que não perseguia após a ferragem; e o praticante Tristão
Telles Queiróz demonstrou desenvoltura perante um animal codicioso. Na lide do
último, uma actuação ‘à Torrinha’ com os cinco ginetes, de forma ordenada e respeitando
o oponente, a cumprirem a papeleta, com espaço para destacado desempenho de
capote do peão de brega, António Telles Bastos, fechando-se assim de forma
diferente uma corrida que foi, no verdadeiro sentido da palavra, uma festa.
Nas pegas
estavam em praça dois dos mais consagrados grupos nacionais, os de Santarém e
os de Vila Franca. Pelos Amadores de Santarém pegou o nóvel cabo, Francisco
Graciosa, à segunda tentativa com o restante grupo coeso a ajudar; Joaquim Grave
também à segunda com destaque do primeiro ajuda; e de cernelha, os valorosos
João Manoel e Miguel Tavares.
Pelo grupo de
Vila Franca foram à cara do toiro, o cabo, Vasco Pereira, que viu o toiro
ensarilhar ligeiramente, mas a fechar-se muito bem com boa ajuda do primeiro
ajuda; Rafael Plácido teve valente perante os fortes derrotes do toiro e
consumou à terceira com ajuda mais carregada; e Guilherme Dotti muito bem a
encerrar a noite com uma boa pega à primeira.
Nota ainda para
a presença nesta corrida do vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.
Anacoreta Correia, que teve honras de brinde por parte do Grupo de Santarém. Vale
o que vale para muita gente, mas é um princípio, digo eu, numa cidade em que ‘cautelas
e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém’.
Dirigiu com
acerto o delegado técnico Tiago Tavares, assessorado pelo Dr. Jorge Moreira da Silva,
num festejo abrilhantado pela centenária Banda do Samouco, que mais uma vez teve
o cuidado de brindar a noite com um novo pasodoble da autoria de António Labreca,
desta feita dedicado ao novo cavaleiro de alternativa.
Venha a próxima...
Patrícia Sardinha