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    Campo Pequeno: Rui Salvador fará (muita) falta


    A Praça de Toiros do Campo Pequeno recebeu mais uma corrida de toiros esta temporada que ficou essencialmente marcada pela emoção na despedida do cavaleiro Rui Salvador ao tauródromo lisboeta.

    Quem, como eu, nasceu e cresceu a ver tourear um cavaleiro como Rui Salvador, vê-se obrigada a constatar que “se está velha”, quando percebemos que as nossas referências de uma vida de aficionada se começam a retirar das arenas. É um facto, já vi outros cavaleiros da minha infância fazerem-no, uns de forma mais definitiva que outros, e recordo os Mestres Luís Miguel da Veiga, Emídio Pinto, João Telles, Manuel Jorge de Oliveira, Paulo Caetano, João Salgueiro… e como não, o eterno Joaquim Bastinhas.

    Pois que Rui Salvador faz parte desse lote que, entre outros, toda a vida vi tourear, pelo que ainda me parece irreal pensar que deixarei de o ver anunciado em cartéis. Não é que fosse algo inesperado, pois no ano passado o cavaleiro de Tomar já dera sinais de que o final estava próximo quando suspendera a temporada mas quando passa a uma certeza…

    Não foi pois de estranhar que, na hora do adeus, Lisboa correspondesse com 3/4 fortes de um público que muito o acarinhou, sendo acima de tudo agradecido pelo percurso de uma das grandes Figuras do Toureio a Cavalo dos nossos tempos, que sempre foi exemplo de resiliência e protagonista de um toureio de, e com, verdade.

    Outro dos grandes aliciantes desta corrida era o curro da ganadaria de Herdeiros do Dr. António Silva, e que curro! Com um trapio digno de uma Praça de primeira como o é o Campo Pequeno, alguns bem armados de pitons a pedirem respeito, foi um curro sério e homogéneo. Em comportamento também revelaram no geral boas condições para o toureio, todos com transmissão e mobilidade: foi nobre o primeiro, tendo o director de corrida premiado a ganadera com volta à arena após a sua lide; teve raça o segundo; o terceiro tinha muita cara e deixou-se mas com tendência para descair para tábuas; o quarto foi outro de boas condições, com mobilidade; o quinto tinha uma cara impressionante mas não foi incómodo para o toureio, deixando-se sem problemas; o sexto foi sério e encastado, por vezes tardo mas ainda assim com condições de lide; o sétimo tinha teclas; e o oitavo foi outro toiro que se deixou. Um curro para toureiros!!

    Nas lides a cavalo houve entrega por parte do todos os ginetes e uma excessiva efusividade por parte das bancadas face a tudo o que acontecia na arena, pelo que a primeira parte roçou a grande triunfalismo, pese embora, com excepção da quarta lide, até ali todas terem sido intermitentes. Rui Salvador agigantou-se sempre perante os seus toiros com lides em crescendo, e mesmo com a limitação da sua quadra, logrou duas lides de valor, entrega e sapiência. Rui Fernandes viu-se melhor no seu primeiro que no segundo, com uma actuação que veio a mais, de entrega, e em que os adornos tiveram eco nas bancadas. Já no que foi segundo do seu lote, uma rês que esperava que lhe pisassem os terrenos, a lide não teve muito sumo e só houve verdadeira emoção, quando após o último ferro, o toiro se arrancou com pata em perseguição à montada numa verdadeira volta à arena. Francisco Palha ía por tudo ao Campo Pequeno, e iniciou a primeira lide com uma grande sorte gaiola. Incidiu actuação em cites de largo, perante uma rês que pedia um toureio ligado, e foi bom o terceiro curto, cingido e no sítio. Já no sétimo da noite, Palha voltou a dar importância à ferragem comprida, mas nos curtos assentou actuação nos quiebros, sempre a despejar o toiro para fora da sorte, resultando em demasiadas passagens em falso e ainda num toque valente na montada. Foi quando mudou de cavalo, e essencialmente de intenção, que conseguiu consumar a ferragem mais certeira da lide. Miguel Moura era o menos efusivo do quarteto, até pelo temperamento do jovem cavaleiro, no entanto logrou a actuação mais limpinha da noite, frente ao quarto toiro do curro. Uma lide de registo pela assertividade da mesma. No último do festejo, voltou a denotar as suas boas intenções e recreou-se mais com os ladeios e recortes em terrenos apertados.

    Nas pegas, a seriedade do curro também se impôs.

    Pelos Amadores de Évora pegaram João Madeira bem à primeira; José Maria Passanha não aguentou o derrote no primeiro intento, tendo consumado bem à segunda; João Cristóvão efectivou à primeira e de forma correcta; e o nóvel cabo, José Maria Caeiro, consumou também à primeira.

    Pelos Amadores de Coruche, foram caras Tiago Gonçalves à primeira com boa ajuda do Grupo; João Formigo à segunda, depois de num primeiro intento o toiro baixar a cara não permitindo efectivar; António Tomás consumou à segunda uma pega rija; e o novo cabo, João Prates, ao quarto intento e com ajudas carregadas.

    Dirigiu a corrida com algum critério na concessão de música o delegado técnico Ricardo Dias, assessorado pelo veterinário Jorge Moreira da Silva, numa noite abrilhantada pela Banda residente, a do Samouco, e a 'convidada', da Amareleja.

    Ao intervalo tempo ainda para homenagem a Rui Salvador, pelos seus 40 anos de alternativa e no ano em que se despede das arenas sendo ovacionado de pé e obrigado a duas emotivas voltas à arena; à Ganadaria Herds. Dr. António Silva pelos 80 anos da sua fundação; e ao senhor José Jorge Pereira, grande aficionado, antiga glória dos forcados Amadores de Santarém, Montemor e Lisboa.

    Salientar ainda que, mais uma vez, o piso só foi regado ao intervalo, e o pó mais que muito em toda a corrida, sendo desagradável e até por vezes incomodativo. Na primeira praça do país, cheia de comodidades, e onde tanto se apregoa o 'glamour' das bancadas, sairmos de lá completamente tapados de pó...é um pouco no-sense.

    E não poderia terminar esta crónica sem voltar a referir Rui Salvador, que sempre foi um Senhor na nossa Tauromaquia, dentro e fora das arenas, e que mesmo com todas as suas limitações, mazelas físicas, 'carências' na quadra... sempre teve o verdadeiro sentido de profissionalismo e de não defraudar o público. 

    Já há poucos assim, infelizmente, na nossa Festa, pelo que nos fará falta...

    Do 'lote' do Rui Salvador, ainda cá temos João Moura, António Telles, Luís Rouxinol, mas até quando?... Oxalá ‘para sempre’ porque as nossas referências, os ídolos... perduram para sempre!


    Patrícia Sardinha